Sérgio Cruz Lima
O sonhador que deu asas ao homem
Sérgio Cruz Lima
Jornalista
Com altura inferior a um metro e sessenta centímetros, Alberto Santos Dumont jamais ganhava brigas. Mas, afoito, se metia nelas. Para ver o filho longe de salgalhadas, os pais o incentivam a ler. E das leituras diárias o menino extrai a matéria-prima de seus sonhos. Quer ser herói de Júlio Verne. Conquistar o ar. Dar a volta ao mundo em 80 dias em um balão.
Garoto, Alberto gosta de vascolejar nas máquinas da Fazenda Arindeúva, produtora de café. Admira o pai, Henrique Dumont, engenheiro graduado na França, e um dos primeiros cafeicultores do País a introduzir descascadores, separadores e ensacadores mecânicos do produto. Mas a tragédia bate-lhe à porta. E muda-lhe a vida. Em um acidente, Henrique fica hemiplégico. Ele vende tudo e transfere-se para a França em busca de cura. Em Paris, onde fixa residência, Alberto visita a Exposição do Palácio das Indústrias, que comemora a chegada do século 20, e vê o motor de combustão interna. "Parei diante dele como que pregado pelo destino", escreverá anos depois. A tecnologia o fascina. A aeronáutica, hobby da nobreza, o encanta. Em 1898, faz mais de trinta passeios de balão. Frequenta o Aeroclube Francês e aperfeiçoa um dirigível. O primeiro projeto sobe aos céus a 4 de julho, data nacional da França. "O menor, o mais lindo, o único a ser batizado: Brasil".
Já conhecido, em 1900 participa da aposta do Aeroclube: 100 mil francos para o primeiro que, partindo de Saint Cloud, contorne a torre Eiffel e retorne em 30 minutos. Alberto inventa vários balões, que levam suas iniciais e um número. Com o SD-5 escapa por pouco da morte por causa de uma explosão contra o telhado do Hotel Trocadero. Um ano depois, o SD-6 ganha a aposta. O valor do Prêmio Henry Deutsch de la Meurthe é distribuído entre os mecânicos e mendigos da cidade. Entusiasmado, Alberto constrói mais de dez dirigíveis. Supersticioso, deixa de construir o SD-8, por considerar que o número atrai o azar.
"A Europa curva-se ante o Brasil", canta Eduardo das Neves. Nada perto do que há de acontecer em 1916. Alberto inicia experiências para voar com o primeiro "mais pesado do que o ar". Cria um biplano de bambu, juntas de alumínio e forro de seda chinesa. Acopla-o ao SD-14, daí o nome 14-Bis, e decola com a força do motor. Confiante, organiza a apresentação. Na primeira vez - que os juízes, estupefatos, esquecem de cronometrar -, voa 60 metros a três metros de altura. Na segunda, considerada oficial, em outubro de 1906, o 14-Bis sobe quatro metros e percorre 220 metros em 21 segundos. É o sonho tornado realidade! Seu último avião é o Demoiselle, oito vezes menor que o 14-Bis. Usa-o como meio de transporte. Diversas vezes, o inventor se diverte ao pousar nos jardins de castelos ou no centro de Paris para degustar um cafezinho. Jamais patenteia invenção alguma: crê que suas invenções são patrimônio da humanidade. O auge da carreira é, no entanto, o início do fim. Em 1909, aos 36 anos de vida, ele encerra seus trabalhos na área da aviação. Vítima de esclerose múltipla, deprimido, retorna ao Brasil. Desagrada-o ver os irmãos Wright, Orville e Wilbur, afirmarem que voaram em um aparelho mais pesado que o ar anos antes do 14-Bis. Não há testemunhas. Em 1932, eclode a Revolução Constitucionalista. No Guarujá, suicida-se no banheiro do Grand Hôtel La Place, onde se hospeda, em 23 de julho. Morre aos 59 anos.
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